26 de julho de 2012

Um segredo de família



"Já contei a verdade sobre meus pais?" minha mãe propôs o desafio, em uma tarde entediante.
"Verdade?! Que verdade?" respondi exaltada.
"Ah, deixa para lá..."
É uma criatura sádica, minha mãe. Do tipo que gosta de ver a própria filha se contorcendo pelos cantos. De qualquer forma, ela me deixou cogitando todas as possíveis impossibilidades sobre o passado de minha família. Talvez, ela estava prestes a contar algo que eu sempre suspeitei. "Eu sou adotada", "Minha mãe pulou a cerca e meu pai não é meu pai biológico", "Meus pais na verdade são alienígenas, vindo na terra com a intenção de dominá-la. Mas felizmente eu dei um jeito neles, já que sou adotada e uma agente de um grupo especial da CIA..." e outras confissões do gênero.
Mas, talvez, eu apenas estivesse animada com a possibilidade de algo interessante acontecer em minha família. Com exceção dos trabalhos bizarros que meu avô teve em sua adolescência, até se tornar juiz, não há uma só história que se preze. Minha família é entediante. Debilmente entediante.
Porém, não é da falta de entretenimento familiar que estamos lidando, e sim de um segredo de família. Meus avós possuíam uma verdade, o que, por tabela, significava que eles mentiram. Não só para mim, mas para seus filhos, netos e amigos. Eles mentiram sobre algo, e foram pegos no ato. Seja lá qual foi a mentira em questão, eu estava sedenta para descobri-la.
"Mãe" eu chamei quando a vi novamente, na manhã seguinte. "Você disse que iria me contar uma verdade sobre seus pais. Qual era?"
Sua expressão se tornou confusa. Ou ela era uma excelente atriz, ou realmente não sabia do que eu estava falando.
"O que?"
"Você me perguntou ontem se eu sabia a verdade sobre seus pais, e quando eu perguntei, você pediu para eu deixar para lá." eu relatei com desconfiança. "Não se lembra?"
Ela apenas me lançou um longo olhar, e depois foi embora.
Pelos dias que se seguiram, continuei investigando. Cada detalhe era de total importância. Eu revirava álbuns antigos, tentava persuadir os parentes mais próximos sem levantar a pergunta em questão e até cheguei a ligar para minha avó. Depois de quase trinta minutos tentando arrancar a informação, tudo que tive como resultado foram respostas frustantes e uma grande dor de cabeça.
Talvez, meus avós fossem assassinos seriais. Minha mãe não havia resistido ao fazer o comentário comigo pela primeira vez, e depois se arrependeu cruelmente. Não revelou uma sílaba sobre o assunto nas ocasiões seguintes quais eu a abordei. Ou, talvez, meus avós fossem deuses pagães que comiam carne humana em todos os natais, tais como aqueles monstros bizarros da terceira temporada de Supernatural...
Seja lá qual fosse o segredo deles, eu nunca descobriria. As poucas pessoas que o conheciam, se recusariam a me contar, e, qual fosse o segredo, deveria ser algo interessante. Um escândalo, para dizer o mínimo. Eu desejava que assim fosse, só então para encerrar o tédio recorrente nas histórias de família. O segredo seria discutido por gerações, e jamais descansaria, criando o potencial de lenda urbana. Derrotada, me encolhi em um canto do sofá enquanto refletia.
"O que foi?" meu irmão perguntou quando entrou na sala. "Alguém morreu?"
"Não..." murmurei. "Só estou encabulada. Há alguns dias, minha mãe comentou algo sobre segredo dos pais dela, e depois não tocou mais no assunto. Acho que deve ser um assunto confidencial, ou algo do gênero."
Ele me olhou por um momento com ar divertido.
"Então você não sabe?"
O encarei inconformada. Minha mãe havia contado para ele! Logo para ele! E eu? Nada!
"Semana passada meu avô ligou aqui dizendo que cometeu um equivoco" ele continuou quando eu não respondi. "Sobre a data do casamento dele. Meus avós não se casaram em 1964, como acharam todos esses anos. Foi em 1962. Ou seja, esse ano, eles fazem 50 anos de casados. Vão comemorar as bodas de ouro."
Não vi minha expressão, mas, se tivesse, provavelmente ela seria de choque. De decepção. De raiva. Ainda não haveriam história legais em minha família, e minha avó continuaria a repetir a história do pavê ou pacomê, que foi sua mais genial piada do natal de 86. Todos ririam, para não pegar mal. Ririam para não chorar.
"Só não entendo" eu me ouvi dizer, depois que o choque deu lugar a indignação. "Por que minha mãe escondeu de mim?"
"Ah, provavelmente ela esqueceu" Lucas sorriu. "Ou você esquece da mãe que tem?"
Eu assenti, ainda perplexa. Desde esse dia, nunca criei nenhuma expectativa que fosse.

Um comentário:

Isabel disse...

cara, que divertido! e péssimo ao mesmo tempo: não é legal criar expectativa por algo que, no fundo, não é nada demais...