23 de outubro de 2012

Bloqueio Criativo



Você se levanta. Toma um banho. Bebe um café.
Nada.
Respira fundo. Troca de roupa. Dá uma volta.
Nada.
Toma outro banho. Acende um cigarro. Observa os carros pela janela. Corre os dedos pelos fios de cabelo. Já passou da hora de cortá-los. Liga o som no máximo. Bebe outra xícara de café. Tenta se concentrar. Não consegue tirar os olhos das nuvens brincando no céu, dos carros apressados na rua, da realidade tão distante representada na janela do seu quarto. Não. Se concentrar. Acende um segundo cigarro, só para prevenir. Coloca uma caneta na mão, um caderno no colo.
Nada.
Nenhuma ideia.
Nenhuma mísera ideia.
Suspira. Joga o caderno o mais longe possível. Apaga o cigarro. Volta para a cama de onde não deveria ter saído.

17 de outubro de 2012

Uma Crônica a Cada Esquina


Ontem comprei filme para a minha câmera. Voltei para a casa renovada, olhando cada esquina com uma perspectiva diferente. Um parquinho para crianças, constantemente abandonado e socialmente ignorado, se transformou na mais bela obra de arte para os meus olhos artisticamente aguçados. Fui obrigada a tirar inúmeras fotos, encantada pelas diversas cores e formatos daquele local. Continuei andando para casa, quando me deparo com a inusitada figura de um cachorro. Sujo, despenteado e com a língua para a fora, ele fitava a rua com seus olhos preguiçosos. Era lindo. Mais do que tentada, tirei inúmeras fotos da figura até que ela se entediasse e fosse embora. Meu caminho cruzou, também, com um casal apaixonado. Eles conversavam animadamente, dando gargalhadas e, às vezes, dando as mãos. Não resisti. Ignorei o senso ético de não espionar, e por sinal, não fotografar desconhecidos. Os dois me renderam boas fotos.
Acontece que, antes de poder chegar em casa e desfrutar do resto do meu filme, o pior aconteceu. Ele havia acabado. Estava tão distraída e tão encantada com o universo de possibilidades que se estendeu no momento em que coloquei uma câmera nas mãos, que mal notei que ela era limitada. Não era como essas câmeras digitais, que temos hoje em dia. Não havia cartão de memória, e possibilidade de tirar dez mil fotos. Não havia como apagar, ou como ter certeza que a fotografia estava do jeito que eu queria. Mas, com a tecnologia, que serve, teoricamente, para auxiliar, nós acabamos perdendo a essência do verdadeiro significado da coisa. Ela nos transformou em pessoas automáticas, perfectionistas e com a ideia de que tudo é ilimitado. Então algo tão puro e belo, quanto tirar fotografias pela cidade e observar coisas que geralmente passam por despercebidas, acaba se tornando frio e automático. Nostalgia de tempos em que não vivi, onde computadores existiam apenas em ficções cientificas.

14 de outubro de 2012

A Marcha dos Despertos

Bombardear pela paz é como foder pela virgindade.

Acredito que tudo vem da criação. Da cultura que fomos introduzidos desde cedo. Se fossemos ensinados quando criança que o homem é capaz de voar, acharíamos estupidez de quem tentasse provar o contrário. Se fossemos criados com a ideia de que Zeus é o deus do céu, Poseidon o dos mares e Hades do submundo, seria uma blasfêmia se alguém alegasse que aquelas eram mentiras. Infelizmente, não crescemos em nenhum dos dois contextos.
A realidade apresentada desde cedo, seja pelos nossos pais, seja pela mídia ou por fortes influências, é de que, se houver alguém melhor que você, você não estará feliz. A felicidade apenas será atingida quando nos provarmos valorosos, quando possuirmos nosso poder aquisitivo elevado e uma bela mulher ao nosso lado para, claro, cuidar de nossas casas e filhos. Ah, esqueci de mencionar? Para aquelas que possuíram a má sorte de nascer no sexo feminino, lamento informar que apenas possuíram a felicidade se o homem ao seu lado estiver feliz. Afinal, o que seria a mulher se não o enfeite da sociedade?
Enquanto formos piores que alguém, enquanto estivermos submissos, estaremos infelizes. Estaremos tomando remédios para dormir, nos esforçando desenfreadamente e contando os segundos para que a acabe logo. Acabar? O que? Os dias irritantes de escola? As horas importunas de universidade? Os anos incontáveis de um emprego? A aposentadoria monótona? Afinal, fomos criados na ideologia que as coisas melhorarão. Basta esperar. E que as nossas horas de espera compensem as nossas mentes ocas, tão fiéis a lavagem cerebral sofrida que mal são capazes de pensar por si próprias.
De vez em vez, alguém desperta. Simplesmente se cansa da violência vista na TV, da injustiça racial, do preconceito, da guerra entre os sexos, do sistema corrupto. Um dia, alguém se cansa. E não basta se cansar. Ele percebe que a cultura que foi imposto desde o dia em que nasceu está errada. Que tudo aquilo soa desumano, ridículo, hipócrita. Ele se junta aos outros despertos, com a intenção clara de acordar o maior número de pessoas possíveis. Mas, como citei anteriormente, soa completamente ridículo ir contra o que você foi ensinado. Soa irracional mudar o mundo. E, por sinal, esse é apenas outro detalhe de nossa cultura falha. Você, isso mesmo, leitor, você que segue os olhos por essas vagas linhas, é incapaz de mudar o mundo. Deixe esse fardo para outra pessoa. Não foi isso que nos ensinaram? Não foi isso que nos treinaram para acreditar?
De qualquer forma, os despertos tentam. Eles lutam. Com unhas e dentes. Com os punhos e com cartazes. Com passeatas ínfimas que nuncas resultam em lugar nenhum. Eles tentam. Tentam, enquanto são repreendidos por autoridades. Pelos responsáveis de silenciar os despertos, antes que seu barulho seja alto o suficiente para acordar mais pessoas. Por levá-los, os despertos, para prisões, para psiquiatras, para o exterior, para sessões de torturas ou para qualquer outra forma drástica que for capaz de adormecê-los novamente. Por qualquer lavagem cerebral boa o suficiente para que seus olhos e mentes se fechem.
E, então, voltamos todos a dormir.

13 de outubro de 2012

Silêncio

Eu morro e remorro.
Com o tempo que passa.
Ouço teus passos.
Compasso infernal.

Nasci para a vida.
De morte vivi.
Mas tudo se acaba.
Silêncio. Morri.

7 de outubro de 2012

Epitáfio



Escrevi seu nome, em uma intenção patética de nunca nomeá-lo novamente. E seu rosto, puído, tristonho. De fato, seu rosto. Do jeito que seus olhos brilhantes costumavam me fitar – em um misto de solidão com encanto, em um toque mínimo de desespero. E eu escutava, em silêncio. Estava tão quieta... Por algum motivo, a quietude é o que mais me relaciona a ti. Deixa-me sem palavras, pois nada que eu acrescentasse seria melhor que o silêncio que nos envolvia. Ah, suas mãos geladas! Como ansiei segurar aquele par de mãos novamente, com a esperança de que aqueles olhos tão tristes fossem capazes de esboçar alegria, de que ele sorriso sem graça pudesse traduzir o que seus lábios não disseram. Tudo aquilo construído em uma eternidade, com músicas acústicas em uma madrugada fria, conversas sérias e descontraídas, e risadas que soavam solitárias. Ah, tudo aquilo acabou. Prometo que essas palavras serão as últimas dedicadas a você. Porque tudo aquilo que lhe tornava o que você é, foi embora.  E na desesperada tentativa de se tornar aquilo de que nunca se viu capaz de ser, deixou de ser você mesmo. Sinto falta do antigo você, aquele foi enterrado no passado. Do que era capaz de se contentar com qualquer coisa que superasse sua frustação. Nós nunca fingimos além do necessário, e nunca duvidamos do que sentíamos. Agora, estamos ambos mortos um do outro. Este será nosso epitáfio, enterrado com tudo que costumávamos ser.