10 de abril de 2012

O Regresso do Inverno

Leve as cinzas de meu pai, sobre o simplório rosto dos antepassados. Leve-as, leve-me.

Ele queria estar em outro lugar. Em qualquer outro lugar. O vento violento rasgando a bela feição de seu rosto, brincando com seus cabelos desalinhados. Sua mão abrigava um medalhão de prata. O carinho do menino pelo próprio objeto era tão intenso quanto o carinho de uma mãe pela sua cria. O sete palmos abertos em frente aos seus olhos o aterrorizavam. Embora ele fosse orgulhoso demais para admitir. Que jeito ridículo de encerrar toda uma existência, pensou. Tantas coisas vividas para acabar como carne podre.

Mas ele se sentia inseguro sobre pensar em seu pai virando carne podre. Logo ele, um menino que admirava tanto o próprio pai. Quando menor, brincava que nada no mundo seria acabar de abatê-lo, e, aquela eterna figura de um homem que ensinou quem aquele garotinho deveria ser. Aquele garotinho cresceu - mas não muito. Nunca foi o mais alto da classe, porém nunca o menor. Era magro e franzino, e não aguentava correr ou jogar qualquer esporte. Independentemente da modalidade, era sempre o último a ser escolhido. Mas nunca se importou muito com aquilo. Era seu pai quem o motivava a deixar de lado a perseguição dos colegas. Era seu pai quem dizia que ele deveria seguir em frente, ser corajoso. Sempre corajoso.

Eu sei o caminho, mas não tenho coragem. Eu não posso sentir medo de meus pecados.

Sua mãe apertava sua mão livre. Às vezes, o aperto era suave, reconfortante. Outras, era doloroso, desesperante. O caixão preto abrigava o corpo sem vida. Descia lentamente para onde residiria pelo o resto da eternidade. As flores de cores alegres por todo o cemitério pareciam zombar da situação, pareciam achar graça na morte. Alguns jogaram buquês sobre o caixão, a mãe do garoto deixou uma foto antiga, em um cartão bege, flutuar lentamente até o corpo de seu marido. O menino estava ciente de que foto era aquela. Era da adolescência de seus pais. Os casal estava sorridente, com as mãos dadas. Ele quis aquela foto para si, mas a mãe insistiu que a foto deveria permanecer com o pai. O menino não protestou. Naquele momento, apenas esticou o próprio braço, e libertou os dedos. O medalhão escorregou pela sua mão, voltando para os braços de seu verdadeiro dono.

Existe um lugar sagrado qual residem as memórias, e eu queria debilmente estar lá.

Continua...

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